Relato da travessia Lapinha a Dona Ana Benta

 

E o dia tão esperado enfim chegou!

 

Eu e meu filho faremos nossa primeira caminhada, a travessia Lapinha da Serra a 'Dona Ana Benta. Eu já havia realizado algumas pequenas caminhadas e acampamentos no Rio de Janeiro, minha cidade natal, mas era a primeira vez em Minas Gerais depois de muitos, muitos anos sem realizar este tipo de atividade.

 

A turma se encontrou na região da Pampulha para de lá sairmos juntos em direção a Lapinha da Serra. Pegamos a MG-10 até o distrito da Serra do Cipó e chegando lá seguimos por aproximadamente 30 Km em uma estrada de terra até chegar em Santana do Riacho. Passamos pela cidade e encaramos mais 11 Km de estrada de terra até chegar ao povoado rural de Lapinha da Serra, um lugar rústico e com belos atrativos naturais.

 

 

Estacionamos os carros ao lado de uma cerca que murava uma casa local. No vilarejo de Lapinha da Serra as ruas são de terra, não encontramos calçadas, bancos e o comércio com pouquíssimas opções. Celular e Internet? Esqueça. Não é maravilhoso?

 

Antes de iniciarmos a travessia paramos para tirar algumas fotos naquela linda paisagem.

 

 

 

 

 

 

Iniciamos nossa aventura com uma vista deslumbrante. O que me fez a acreditar que seria realmente um final de semana maravilhoso.

 

 

 

 

 

 

 

Logo de cara tínhamos uma “muralha” a transpor, mas estávamos motivados pelo desafio e pela beleza que estava a nossa frente.

 

 

O início da trilha é composto por uma pequena mata atlântica e uma trilha coberta por pedrinhas brancas. A frente a montanha imponente, talvez o principal desafio daquela travessia.

 

 

 

 

Começamos a subir. Até aqui tudo era alegria e deslumbre, mas aos poucos as pedrinhas foram aumentando de tamanho, em alguns pontos o caminho estava coberto por pedregulhos brancos. O sol estava de “rachar”, a sensação térmica fez parecer que estávamos dentro de um forno. Acredito que os raios do sol refletidos nas pedras brancas faziam com que o calor se fizesse mais intenso.

 

 

 

Naquele momento senti o reflexo do meu sedentarismo. Apesar de ter começado a fazer caminhadas próximo de casa bem antes da travessia o “preparo” não foi suficiente para encarar aquela subida forte e com pedras no chão. Eu já estava sem fôlego e preocupado de não dar conta de continuar. Contudo a vista da lagoa da Lapinha da Serra vista de cima me confortava.

 

 

 

Cada parada para reabastecer os cantis era como se eu tivesse chegado a um oásis, onde eu me refrescava e descansava para continuar. Meus companheiros de trilha perceberam o meu esforço e a todo o momento perguntavam como eu estava e se eu desejava voltar. Naquele momento meu pensamento era só um: Eu vou conseguir, devagar e sempre. Não podia desistir agora, minha primeira caminhada com o meu filho, algo para fazermos sempre juntos, longe do videogame.

 

 

Continuamos a subir. A cada passo dado o esforço parecia aumentar, o ar faltava. Tivemos que aumentar o número de paradas para que eu pudesse descansar e continuar. Mas não podíamos demorar muito nas paradas. Primeiro para não esfriar o corpo e depois precisávamos chegar na Dona Ana Benta com o dia claro.

 

Apesar de todo o sufoco que eu estava passando não deixei de aproveitar as belas paisagens e a flora local, sem igual.

 

 

 

Chegamos a um ponto no alto da montanha onde finalmente encontramos uma sombrinha, pequena mas que nos revigorou. Estávamos todos cansados naquele momento, eu um pouco mais que os demais.

 

Compreendendo que eu estava menos preparado fisicamente que os demais, um dos integrantes do grupo fez a boa ação de trocar de mochila comigo. Levou a minha que estava mais pesada por eu ter cometido alguns excessos nos itens que levei e me passou a dele, bem mais leve. Curtimos um pouco aquele momento e a belíssima vista.

 

 

 

 

Continuamos a subir, e que subida, até chegarmos a uma capela de pedras. Linda e também um sinal de que a fé nos faz superar todas as dificuldades. Ali encontramos uma placa que deveria ser replicada em cada esquina de nossas cidades, a qual dizia: “Ambiente limpo não é o que mais se limpa e sim o que menos se suja.” Além desta mensagem de reflexão nos deparamos com uma paisagem de tirar o fôlego, agora no bom sentido, rsrsrs.

 

 

 

 

 

Retomando a escalada nos deparamos com uma planta típica da região, a famosa Canela de Ema, que segundo um dos integrantes do grupo esta é a única região que existe esta planta no comprimento visto ali.

 

E a subida continua diante de uma vista estonteante. Naquela altura da caminhada olhar para trás nos dava a sensação de que a visão era um prêmio por termos chegado até ali.

 

 

 

Um pouco mais a diante nos deparamos com outra placa, mas o que estava escrito nela não era bem o que gostaríamos de encontrar em nosso passeio. Era um alerta da existência de cobras naquela região.

 

 

Bom, se tem cobra é melhor continuar andando. Retomamos a subida entre as belas paisagens até que chegamos ao ponto mais alto daquela parte da trilha. Lá do alto se via o rio serpenteando entre as montanhas e formando a bela lagoa da Lapinha da Serra. Mais uma paisagem de tirar o fôlego, não o meu, pois naquele momento eu já não tinha nenhum.

 

 

 

 

 

Iniciamos uma leve descida, não era íngreme mas o chão era de pedra quase sem vegetação. Naquele ponto descemos com muita atenção pois o terreno é típico do hábitat natural da cascavel. Apesar de seus hábitos serem noturnos é possível encontrar estes animais durante o dia.

 

 

 

 

Continuamos a descer em direção a um ponto onde, segundo um outro colega do grupo, existe um pequeno córrego e um espaço para descansar abaixo de algumas árvores.

 

 

 

A flora encontrada até aquele ponto da trilha nos brindava com sua diversidade e beleza. Vimos flores, arbustos e até plantas carnívoras durante este trecho da trilha. Não dá para descrever com detalhes por isso vejam nas fotos abaixo e entendam o que eu quero dizer.

 

 

Chegamos ao local de parada descrito anteriormente. Ao chegar nos deparamos com dois problemas, o primeiro era o cheiro forte de urina e de esterco de boi, e o segundo era a ameaça iminente de chuva com raios. Por alguns segundos discutimos o que fazer, pois raio em campo aberto não é bom, e tão pouco debaixo de árvores. Decidimos continuar ali por alguns minutos para ver o que ia dar, tipo se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Mas graças a Deus não passou de um susto. Alguns trovões foram ouvidos e poucas gotas de chuva caíram naquele local. Relaxamos um pouco, enchemos os cantis no córrego e continuamos a andar. A partir deste momento eu já havia retomado as forças e o fôlego, o que me permitiu pegar de volta a minha mochila.

 

 

 

A pior parte da trilha havia sido superada, mas ainda haviam muitos quilômetros a serem percorridos. Os meninos, meu filho e o filho de outro integrante do grupo, adiantaram o passo apesar de falarmos para eles se manterem próximos. Consequência, após um pequeno morro deram de cara com um pequeno rebanho de vacas que lá estavam pastando. Curiosos os animais começaram a se aproximar deles, foi quando os meninos se assustaram e saíram correndo ao nosso encontro. Com medo e o terreno cheio de pedras no chão o meu filho escorregou e caiu. Por sorte a calça que ele estava usando tinha um tecido resistente. O resultado foi um rasgo na calça e uma leve escoriação na altura do joelho. Nada de grave, apenas um grande susto e uma lição aprendida.

 

Depois de algum tempo chegamos a um rio, muito bonito. A água era cristalina margeada por uma praia de pedras brancas. Era muito raso, mas tinha água o suficiente para molhar as botas até a canela. Tiramos os calçados e atravessamos aquele belo riacho.

 

 

 

Olhando para trás podemos ver o “morro das cascavéis” que havíamos descido. Simplesmente magnífico.

 

 

Seguimos a trilha, ainda faltavam alguns poucos quilômetros a serem vencidos. Nossa anfitriã, a natureza, nos recompensava a cada curva e a cada morro, com tão extraordinária e delicada beleza. Neste momento eu já não me sentia cansado, mas sim revigorado por tão maravilhosa experiência.

 

 

Agora faltava apenas 1 Km para chegarmos à casa da Dona Ana Benta, um grande alívio. Mas ainda não havia acabado, uma chuva nos alcançou a poucos metros da casa da Donana, como a senhora que vive lá é chamada carinhosamente pelas pessoas que fazem trilha nesta região. Por sorte a chuva não chegou a ser um temporal, mas nos deixou molhados e o chão escorregadio.

 

 

 

Finalmente chegamos na casa. Devido as muitas paradas e o ritmo um pouco lento causado pelo meu estado físico levamos aproximadamente 6h horas de Lapinha da Serra até a casa da Donana. Apesar da falta de preparo físico e do grande esforço que fiz para chegar até aquele ponto, valeu muito a pena. Fiz uma pose para a foto com o “V” de vitória nas mãos.

 

 

A casa era muito simples, típica de lugares muito afastados. Até agora eu me pergunto: Como foi possível chegar com material para construir uma casa tão afastada de qualquer cidade da região? Como uma senhora vive isolada ali? Ainda não consegui as respostas, mas com certeza o lugar vale a pena.

 

Não havia ninguém em casa, estava tudo trancado. Por sorte o fogão a lenha ficava na varanda, fora da casa. Encontramos também algumas panelas e itens de cozinha na varanda.

 

Alimentamos o fogão com lenha e iniciamos o preparo de nosso jantar, os famosos Cup Noodles, ou como apelidados carinhosamente pelos membros do grupo, os cabeludos.

 

 

 

Alimentados e quase descansados resolvemos pegar algumas laranjas, no que para mim foi o maior pé de laranja que eu já vi na vida. As laranjas estavam maduras e muito saborosas, nada parecidas com as que compramos nos mercados e sacolões da cidade.

 

 

Havia um cão acinzentado muito bonito, parecido com um lobo. Meu filho quis brincar com ele, mas no primeiro momento fiquei um pouco apreensivo. Logo os dois já estavam juntos parecendo velhos conhecidos. Não havia perigo, apenas o medo de um cara da cidade que não está mais acostumado com a bondade grátis.

 

 

 

Conversamos um pouco, lembramos de como foi difícil para eu chegar até ali e também como estava valendo a pena. A casa era muito simples, mas com um ambiente e vista de deixar qualquer um maravilhado. Com certeza eu estava muito feliz de estar ali com meus amigos e, principalmente, por poder dividir aquela experiência única com o meu filho.

 

 

 

 

 

Estava ameaçando chuva, então resolvemos motar as barracas dentro da grande varanda da casa. Contudo, a natureza também parecia estar feliz por estarmos ali, tivemos um pôr do sol digno de um quadro.

 

 

 

 

 

Após um dia maravilhoso e um grandioso espetáculo da natureza fomos dormir, antes das 19h. Foi deitar e dormir.

 

Durante a noite a chuva caiu forte e ventava muito. De repente um barulho nada animador me acordou, era o som de resfôlego de um cavalo. Saí da barraca preocupado com que o animal estivesse buscando abrigo na varanda onde estávamos acampados. Na verdade ele estava ao lado da casa, parado como se estivesse aguardando o término da chuva. Sem riscos para nós retornei à barraca para dormir.

 

Por volta das 6h já estávamos de pé. Acordamos diante de uma forte neblina, o que tornou a paisagem ainda mais bela. Tomamos o café da manhã com tranquilidade, com direito a pão de forma e salame, rsrsrs.

 

 

 

 

Ao acordar percebi um amuleto indígena pendurado no telhado da varanda. Era um “filtro dos sonhos”, um amuleto típico da cultura indígena norte-americana que, supostamente, teria o poder de purificar as energias, separando os “sonhos negativos” dos “sonhos positivos”, além de trazer sabedoria e sorte para quem o possui. Superstição ou não a verdade é que tive uma ótima noite de sono.

 

 

Antes de pôr os pés na trilha novamente aproveitei para curtir o lugar e suas peculiaridades. Havia uma linda teia de aranha em um dos pontos da varanda, o cavalo pastava na relva ainda molhada, um tico-tico também veio nos dar bom dia assim como o cão acinzentado. Sem dúvidas um amanhecer surpreendente.

 

 

 

 

 

Recolhemos todo o lixo, apagamos a lenha e arrumamos a varanda para deixar tudo igual a quando chegamos lá. Assim os próximos visitantes encontrarão tudo perfeito como nós no dia anterior. Tirei algumas fotos das flores que rodeavam a casa e do paredão de pedra que parecia mais um pano de fundo para aquele lugar singular. Enchemos os cantis em uma fonte ali próxima da casa e, como tudo que é bom dura pouco, iniciamos o retorno à Lapinha da Serra.

 

 

A neblina muitas vezes se confundia com as nuvens escuras de chuva. Pé na trilha que ainda tínhamos muito chão pela frente.

 

 

 

 

Logo chegamos a praia de pedras brancas à margem do riacho, que com a chuva da noite estava com um volume maior de água. O filho do meu amigo estava sentindo um pouco de dor nos pés e pediu para que o pai o levasse no colo durante a travessia do riacho. Adivinhem, o meu filho também quis atravessar a água carregado por mim. Fazer o quê? Ser pai a padecer no paraíso.

 

 

 

 

Resolvemos descansar ali por alguns minutos e aproveitar aquela fantástica paisagem. Eu poderia dormir ouvindo o barulho daquela água límpida passando sobre as pedras, mas tínhamos muitos quilômetros para percorrer até nosso destino. Fomos em frente.

 

 

 

 

 

Por incrível que possa parecer a trilha de volta, apesar de ser a mesma que viemos, nos apresentou novos ângulos das mesmas paisagens daquela magnífica região.

 

 

 

Mais adiante fizemos uma outra parada em um córrego para descansar e reabastecer os cantis com água. Não demoramos muito pois queríamos chegar na hora do almoço em Lapinha da Serra.

 

 

 

A viagem de volta estava muito mais tranquila para mim. Eu já não me sentia tão cansado como no dia anterior.

 

Logo nos deparamos novamente com o gado que assustou os meninos na vinda. Entre eles havia um jovem boi que nos encarou durante todo o trecho que passamos ao lado do rebanho, parecia que ele estava cuidando dos demais animais. Eu o apelidei carinhosamente de “boi da cara branca”.

 

 

As paisagens continuavam a nos surpreender a cada morro que subíamos e a cada curva da trilha. Sem dúvida a beleza daquele lugar compensava qualquer desgaste físico.

 

 

 

Continuamos pela trilha e logo avistamos o morro cujo solo era coberto de pedras e onde poderia haver cascavéis. Subimos com atenção o monte e graças a Deus não encontramos nenhum “morador local”. Lá do alto olhamos para trás e vimos a linda paisagem percorrida até aquele ponto.

 

 

 

Chegamos ao ponto mais alto da trilha, onde quase não dei conta de subir no primeiro dia da caminhada. Eu estava despreocupado, agora era só descer. Paramos ali para descansar e tirar algumas fotos.

 

 

 

Retomamos a trilha e iniciamos a descida. Como dizem: “pra descer todo santo ajuda”. Não é mesmo? Doce ilusão. O sol estava de rachar, novamente. A descida sobre aquelas pedras foi tão difícil como a subida, o meu desgaste físico foi quase o mesmo da subida. Mas desta vez eu sabia que poderia superar o desafio.

 

 

 

Contudo, as paisagens e as formações rochosas não paravam de nos surpreender. A resiliência da flora local também era de assombrar, nem os incêndios e os locais inóspitos são capazes de acabar com tão rara beleza.

 

 

Finalmente chegamos no pé da montanha, desta vez transpomos o trecho em apenas 4h.

 

 

Paramos em um restaurante no vilarejo para almoçar, foi uma das melhores comidas típicas de Minas que já saboreei. Por pouco não precisei lavar os pratos, o dinheiro que havia sobrado não era suficiente para pagar o meu almoço e o do meu filho, e acreditem, não havia como pagar com débito automático. Essa tecnologia ainda não chegou por lá, pelo que não reclamo. O dono do restaurante foi compreensivo e aceitou meu cheque. Ufa, lavar pratos?! Rsrsrs.

 

Após o almoço nos dirigimos para os carros. Ali tivemos a primeira impressão do que é viver em uma cidade, por menor que ela seja. O senhor, dono da casa onde estacionamos os carros ao lado da cerca nos deu a maior bronca. Me senti um menino pego em flagrante pulando o muro dos outros para pegar frutas no pé. Segundo ele nós não poderíamos parar os carros ali, pois vai que pega fogo num deles, incendiaria toda a sua casa. Bom, não estávamos errados, mas também compreendemos a preocupação daquela pessoa. Um pouco exagerada, por certo, mas estava tudo tão bom até ali, não podíamos deixar aquela situação estragar nosso estado de espírito. Pedimos desculpas de forma respeitosa e fomos embora.

 

Na volta para BH ainda teríamos as belas paisagens da Serra do Cipó, as quais aproveitamos até o último minuto.

 

E assim terminou nossa primeira aventura desta natureza em terras mineiras. Já estou ansioso para iniciarmos a próxima travessia. Até lá.