Relato da Travessia Altamira a São José da Serra

O dia da travessia chegou. Todos preparados, planejamento e logística definidos, agora era só realizar. Este foi nosso sentimento ao nos encontrarmos às 5h45m no terminal de ônibus do bairro São Gabriel em Belo Horizonte/MG. Como era nossa primeira vez nesta trilha, a base de nosso planejamento foi um relato de um trekking que encontramos em um Blog.

 

O ônibus com destino a Nova União/MG partiu do terminal às 6h30m como previsto. Chegando em Nova União por volta de 8h40m nos deparamos com um rapaz e seu utilitário no posto de gasolina. Como o ônibus para Altamira/MG só partiria às 11hs perguntamos a ele se havia interesse em nos levar no carro dele até lá, e quanto iria nos cobrar. Fechado o acordo, subimos na boleia do utilitário e iniciamos nossa aventura.

 

 

O caminho percorrido entre Nova União e Altamira já demonstrava a beleza do lugar. Passamos por paisagens lindas, plantações de café, construções rústicas, córregos e moradores da região. O rapaz que nos levou em seu carro recebeu de nós o apelido carinhoso de SORRISO devido ao seu sorriso fácil e sincero que demostrava que estávamos indiscutivelmente em um ambiente onde o stress não era comum.

 

Em um determinado ponto da estrada de terra nos deparamos com uma paisagem maravilhosa. Pedimos ao Sorriso que parasse o carro para desfrutarmos daquela linda vista por alguns minutos, o que prontamente ele atendeu.

 

 

Ao chegarmos em Altamira, Sorriso nos auxiliou perguntando aos moradores locais onde ficava o início da trilha para o Vale da Lagoa Dourada, parada obrigatória durante a travessia por se tratar de um lindo lugar e um ponto de pernoite. Nos informaram que o ideal seria chegar a uma pousada adiante na estrada de terra, solicitar permissão para atravessar a propriedade e então encontrarmos o início da trilha.

 

Durante o percurso em direção a pousada nos deparamos com o ponto onde o trekking que escreveu no Blog iniciou sua travessia. Comparamos a foto que ele tirou e percebemos que era o mesmo lugar: A casa que aparecia na foto, o mata burro, o poste de energia elétrica e a porteira que teríamos de pular para iniciarmos a trilha.

 

Após uma rápida avaliação da situação decidimos iniciar nossa travessia ali mesmo. Agradecemos ao Sorriso pelo apoio e pagamos pelo transporte.

 

Neste ponto havia uma "pinguela" sobre o rio que margeava a estrada de terra. Pulamos a porteira e iniciamos nossa travessia tão esperada e planejada.

 

 

Logo nos primeiros metros da caminhada nos deparamos com o bananal descrito no relato que levamos impresso como apoio.

 

 

Mais a frente fizemos nossa primeira parada para encher os cantis no primeiro ponto de água. Segundo o relato que estava nos servindo de base, existiam vários pontos de água no percurso da trilha.

 

 

Seguimos a trilha. Ora bem marcada, hora apenas um caminho sobre o capim batido.

 

Logo chegamos a um ponto em que havia uma plantação de eucaliptos. Ali a trilha se dividia em duas, mas ambas muito fracas. Decidimos seguir na direção descrita no relato do Blog, segundo nossa interpretação. Logo a trilha foi sumindo e a direção a ser seguida tornou-se duvidosa. Resolvemos pular uma cerca de arame farpado e seguir na direção que acreditávamos cruzar com a trilha iniciada na pousada referenciada no início deste relato. Não funcionou. Resolvemos então parar e avaliar as possibilidades. Foi quando parte do grupo decidiu pegar uma trilha fraca que se iniciava em uma matinha. O resto de nós ficou aguardando com as mochilas e equipamentos o retorno do grupo de exploração. O local tinha uma bela vista do vale a leste.

 

 

Quando o grupo de exploração retornou, tivemos a informação de que a trilha tinha continuidade e que havia uma porteira no alto da mata, como descrito no relato do blog.

 

Adentramos na trilha da matinha, uma vegetação mais fechada e muito bonita. Até este ponto ainda estávamos subindo.

 

 

Saímos da matinha e logo vimos a nossa frente a vegetação típica da região.

 

 

Dali para adiante a paisagem foi se alternando entre a vegetação de serrado e matinhas.

 

 

A frente encontramos um outro ponto de água, mas não muito límpida. Como no relato que nos guiava dizia que haviam muitos pontos de água em todo o percurso da trilha, resolvemos esperar para reabastecer os cantis no próximo.

 

 

Deste ponto em diante a água secou. Passamos por diversos córregos secos, sem uma gota de água, a terra seca e sem umidade. Como se não bastasse a falta de água, ainda pairava no ar a dúvida se estávamos realmente na trilha certa. Tal dúvida nos ocorreu porque ora a trilha estava bem marcada, ora parecia um pequeno caminho de boi, com diversas ramificações. A todo o momento consultávamos o relato impresso do Blog na busca de uma paisagem que fosse parecida com as fotos que lá estavam. Nada era familiar, mas isto não nos impediu de aproveitar as lindas paisagens que a todo momento se renovavam.

 

 

 

 

 

 

Passamos quase todo o dia subindo com breves declives e retas que logo passavam a aclives pesados.

 

 

 

 

Todo o esforço da subida logo era recompensado pela bela vista do que já havia sido percorrido.

 

 

Mas não se iludam. Ainda havia muito para subir e a falta de água começava a nos preocupar. Muitos córregos, todos secos.

 

De longe vimos no alto da montanha um retângulo, o que naquele momento já estávamos torcendo que fosse uma caixa d`água. Tratava-se na verdade de uma linda formação rochosa.

 

 

Chegamos ao que parecia o topo da montanha, seguimos em frente com dúvidas sobre o nosso destino. Nossa única direção era a fornecida pela bússola, sempre nos baseando pela orientação do relato do Blog, que dizia para ir na direção Norte/Nordeste.

 

No alto da montanha encontramos um planalto com uma área que parecia ser destinada aos que desejavam pernoitar. Havia um pneu cortado ao meio, um tronco que lembrava um grande banco e até um local que indicava já terem feito um fogão improvisado. Após uma análise menos emotiva percebemos se tratar de um local para alimentar o gado. O tronco na verdade era um cocho, e o pneu cortado era destinado ao sal para alimentar os animais. Notamos também muito esterco pelo chão, mas nada de vacas.

 

Contudo, a vista era deslumbrante para todos os lados. Ainda me lembro da vegetação única e as mais diferentes formações rochosas que eu já havia visto.

 

 

 

 

 

 

 

 

A vegetação, as formações rochosas e as paisagens deslumbrantes valeram o dia, que ainda não havia acabado. Por volta das 16h30m começamos a ficar muito preocupados com a falta de água. Se não encontrássemos um córrego com água rapidamente, não poderíamos cozinhar (janta) e teríamos uma quantidade de água insuficiente para passar a noite.

 

Encontramos um lugar para montar o acampamento e pernoitar pois logo não teríamos mais a luz do sol. Começamos a percorrer o entorno da região do “camping” em busca de água mas só encontrávamos córregos secos.

 

 

 

 

Quando a esperança de encontrar água naquele dia já estava nos deixando, um dos integrantes do grupo conseguiu, após muita oração, encontrar o que seria uma poça de água. Um volume que ainda não havia secado com a evaporação e que seria mais que suficiente para suprir as nossas necessidades. Não estava limpa mas deu para ferver e utilizar para cozinhar e, naquela situação, até para beber. O gosto da água não estava muito bom, mas desceu “redondo”.

 

 

Graças a Deus tínhamos água e um lugar seguro para montar o acampamento apesar de algumas pegadas de animal não identificado, que encontramos próximo dali.

 

Chegamos ao final do dia com a soma de experiências e sentimentos bem diversificados. Alegria, resiliência, superação, prazer, alívio, união e agradecimento foram alguns dos sentimentos que se misturaram e que fizeram deste, um dia maravilhoso.

 

 

Preparamos o jantar, conversamos um pouco mas logo fomos dormir. O dia havia sido muito cansativo, físico e mentalmente.

 

 

Nasce um novo dia.

 

Acordamos por volta das 6hs. Fazia frio e a neblina ainda cobria a montanha. Para todo o lado só se via a névoa baixa e fechada. Uma visão linda logo ao amanhecer.

 

 

Preparamos e tomamos o café da manhã, desarmamos as barracas e, logo depois de tudo arrumado e o lixo recolhido para levarmos embora, pusemos o “pé na estrada”. Sem rumo ainda mas motivados. Começamos a buscar pela trilha.

 

Sem saber ao certo onde a trilha continuava, nos orientamos pela bússola na direção norte/nordeste. Logo encontramos uma trilha, o que nos manteve motivados a seguir em frente.

 

 

Nossa realidade não havia mudado, pois a partir daquele momento voltávamos a estar sem água. Tínhamos apenas a água fervida e com gosto não muito agradável, contida nos cantis. Começamos a encontrar novos córregos secos sem nenhuma gota de água. Mas o dia só estava começando. “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar”.

 

 

Observamos estercos no chão, a trilha começou a ficar mais apagada e com várias ramificações. Logo a frente vimos aproximadamente 20 bovinos, magros e provavelmente com sede. Diante daquela cena começamos a entender o porquê de sentirmos por várias vezes o cheiro forte de animais mortos. Continuamos nossa caminhada vendo estes animais se aproximando com esperança de que lhes déssemos algum alimento.

 

 

Deixamos os bovinos para trás e continuamos na direção norte/nordeste.

 

Chegamos a um planalto deslumbrante, com uma vegetação e vista maravilhosos. Lá na frente víamos o que parecia ser um declive. Estávamos animados com a possibilidade de finalmente avistar o Vale da Lagoa Dourada tão esperado e desejado por todos nós.

 

Neste ponto concluímos que a falta de água provavelmente tinha como causa a utilização do local como pasto para o gado. É costume incendiar a mata para dar lugar ao capim novo o que, somado ao pisoteio dos animais, faz com que as nascentes sequem. Uma tragédia ambiental lastimável, principalmente se levarmos em consideração que estávamos em uma reserva ecológica.

 

 

Neste ponto a trilha sumiu novamente. Por vezes encontrávamos a trilha bem marcada, mas que sumia da mesma forma que havia aparecido. Foi quando entendemos que não se tratava da trilha que deveríamos seguir, mas sim de “caminho de boi”.

 

Daquele ponto até chegar ao limite do planalto encontramos mais evidências da falta de água. Sem dúvidas estávamos com dois problemas: A falta de água e a incerteza do nosso destino.

 

 

Chegamos ao ponto em que acreditávamos poder ver o Vale da Lagoa Dourada mas nossa surpresa não foi nada agradável. Apesar da linda vista, tratava-se de um precipício, o qual não nos deu opção de descida.

 

 

Não havia como seguir adiante. Tivemos que retornar e contornar um morro lateral na esperança de encontrarmos o caminho certo.

 

 

Contornamos o morro mas do outro lado encontramos mais precipício. Uma linda vista, mas nada animadora a este ponto da caminhada.

 

 

Continuamos a contornar o precipício até que, de um ponto mais na beirada, conseguimos ver uma trilha lá embaixo.

 

 

A trilha ao longe nos devolveu o entusiasmo e a motivação que precisávamos para continuar. Contudo um outro problema nos atormentava. A falta de água.

 

Estávamos economizando ao máximo a pouca água que tínhamos mas, a distância percorrida somada ao sol forte não nos permitia elevar o ânimo ao ponto de sentar e contemplar tão bela paisagem. Precisávamos encontrar água rapidamente.

 

 

Continuamos a fazer o contorno no abismo que parecia não ter fim até que conseguimos um ponto onde era possível descer. Encontramos uma cerca de arame farpado com uma porteira. Um bom sinal. Daquele ponto tivemos a vista mais esperada, o Vale da Lagoa Dourada. Lá estava ele, imponente e ao mesmo tempo muito longe de onde estávamos. Não dá para descrever o que sentimos naquele momento após mais de um dia perdidos. Finalmente conseguiríamos retomar o rumo certo.

 

 

Percebemos então que o esforço estava valendo a pena. Aquela visão nos permitiu relaxar um pouco ao ponto de fazermos pose para tirar fotos.

 

 

A vista do Vale da Lagoa Dourada era realmente deslumbrante. Nosso planejamento inicial era: Caminhar durante todo o 1o. dia da travessia, pernoitar antes de chegar ao Vale Lagoa Dourada, no 2o. dia alcançar o vale, passar todo o dia lá, curtir a cachoeira que lá existe, pernoitar e, no dia seguinte, caminhar rumo a São José da Serra.

 

 

Iniciamos ali a descida pois até aquele momento só havíamos subido. Logo no início encontramos outro córrego seco. Margeando o leito seco encontramos uma outra poça de água, mas desta vez a água era pouca e muito contaminada. O problema da água permanecia.

 

 

Logo à frente nos deparamos com outra descida muito íngreme com muitas pedras, a qual deveríamos descer. A trilha estava lá embaixo. Não havia como chegar até ela, a não ser nos arriscando pela descida nada confortável. Descemos e, quando estávamos quase na base do morro sofri um quase acidente. Uma das pedras estava solta e ao pisar sobre ela a rocha rolou me levando junto. Foi um tombo digno de ser filmado. Brincadeiras a parte, eu dei muita sorte por cair sobre a mochila e não me machucar gravemente.

 

 

 

 

Havíamos finalmente encontrado a trilha. Naquele momento avaliamos que ainda faltavam algumas horas de caminhada até chegar ao Vale da Lagoa Dourada e decidimos conhecê-lo em uma outra oportunidade. Nosso novo plano era encontrar água e acampar para no dia seguinte chegar em São José da Serra. Acreditávamos ter passado pelo outro lado do Vale, e que estávamos na direção de São José da Serra. Seguimos em direção contrária ao Vale, e logo a frente encontramos mais sinais de seca.

 

 

Continuamos a descer, sem água, mas agora pela trilha. A vista era maravilhosa, porém nos mostrava o quanto ainda tínhamos que descer. Era uma distância muito grande a ser percorrida até chegar ao pé da montanha, pensamos.

 

 

Já havíamos descido bastante. Continuávamos com o problema da falta de água e um problema que parecia já ter sido resolvido, voltara. A incerteza de nosso destino. A trilha que iniciamos bem marcada por muitas vezes sumia, continuávamos a descer, encontrávamos novamente a trilha, que logo sumia novamente. Neste ponto começamos a pensar que poderia ser mais “caminho de boi”. Descemos até chegar a mais um planalto, lindo.

 

 

Seguimos em frente atravessando o extenso planalto. Avistamos muito esterco pelo chão, o que reforçava nossa suspeita sobre os “caminhos de boi”. Ao lado vimos uma vegetação que parecia o leito de um córrego, mas continuamos em frente. A esta altura queríamos chegar logo ao final daquela paisagem e avistar o que estava a frente.

 

 

Ao final daquela quase reta era muito difícil acreditar no que víamos. Algo inimaginável àquela altura da caminhada. Mais um abismo.

 

 

Caminhamos beirando o abismo à direita, onde encontramos o que nos pareceu um ponto onde o gado se protegia do vento durante a noite. Lá em baixo via-se um pequeno vilarejo à direita, o que já era um bom sinal. Não havia como descer por ali. Voltamos e caminhamos para o lado esquerdo do precipício. Ao chegar na extremidade esquerda encontramos um córrego, provavelmente aquele que havíamos avistado mais atrás coberto pela vegetação típica de leitos de rios e córregos. Depois de aproximadamente um dia, tínhamos água fresca e límpida para beber. Ao lado do córrego avistamos uma cerca de arame farpado, mais um bom sinal. Nossa sorte teria mudado?

 

 

Contornamos a cerca voltando um pouco em nosso trajeto. Do outro lado encontramos novamente a trilha. Caminhamos por este caminho onde avistamos o que parecia ter sido um rio mas que, naquele momento, tinha pouca água e a areia do fundo era visível formando em alguns pontos pequenas prainhas.

 

 

Mais a frente encontramos o que teria sido uma bela queda d´água. Devido a situação fluvial da região estava quase seca com apenas uma pequena piscina. Contudo, a beleza era de se admirar.

 

 

Continuando a seguir aquela trilha que ora estava bem marcada, ora sumia e por vezes era apenas um caminho fraco entre a vegetação rasteira. Na busca por um meio de descer encontramos mais seca. Uma visão desoladora de córregos totalmente secos. Nas areias no fundo do riacho seco avistamos pegadas de um animal que novamente não soubemos identificar e que, provavelmente, também estava procurando por água.

 

 

 

 

Apesar da seca e da preocupação em encontrar o caminho certo, não dava para deixar de admirar as belas paisagens e a natureza exuberante a nossa volta.

 

 

Continuamos morro abaixo por vezes seguindo o que parecia ser a trilha e na grande maioria das vezes, seguindo nosso instinto. Não nos abalamos pois sabíamos que lá embaixo havia um vilarejo e que precisávamos chegar até ele antes de anoitecer.

 

 

Logo nos deparamos novamente com o córrego, desta vez com água limpa e corrente. Como não tínhamos a certeza sobre a trilha que deveríamos seguir decidimos continuar a descida margeando este córrego. Mais a frente eis que surge uma majestosa cachoeira, visivelmente com bem menos água do que o seu normal.

 

 

Apesar de toda aquela beleza, víamos também que nosso destino era inserto, pois a frente tínhamos um longa queda, um verdadeiro abismo, o qual não poderíamos transpor.

 

 

Voltamos novamente por onde viemos.

 

Subimos e contornamos o morro ao lado da cachoeira. Estávamos cansados, desanimados e preocupados por já estarmos a muitas horas caminhando sem a noção da direção que tomamos.

 

 

Apesar de tudo ainda havia ânimo para desfrutar das belezas naturais do percurso. A vegetação e as formações rochosas muitas vezes pareciam verdadeiras obras de arte, esculpidas pela maior artesã que conhecemos - a natureza.

 

 

Ao contornarmos o morro próximo à cachoeira chegamos a um ponto que, com algum esforço, poderia ser utilizado como ponto de descida. Nosso principal objetivo naquele momento era continuar a descer pois sabíamos que lá embaixo, em algum lugar, havia um vilarejo.

 

 

 

 

Ao final da descida nos deparamos com uma paisagem menos inóspita, com uma superfície mais plana. Contudo nosso “teste” parecia que ficaria mais desafiador pois o tempo começou a fechar. Nuvens de chuva começaram a aparecer e escurecer o céu.

 

 

Parecia realmente que o pior havia passado. As nuvens começaram a se dissipar, o caminho não mais se figurava como uma descida íngreme pelo mato e pedras. Neste ponto paramos à sombra de uma pequena árvore para descansar. Foi um momento de relaxamento e tranquilidade, pensamos: O pior já passou.

 

 

Descansados e com o ânimo renovado continuamos nossa caminhada. Novamente encontramos uma trilha que logo nos levou a margem de um pequeno rio no qual a água não estava apropriada para o consumo, mas era uma visão animadora já que poderia nos levar ao vilarejo avistado lá do alto da montanha.

 

 

Voltamos a descer margeando o rio que logo a frente voltou a ter água corrente. Parece que o curso do rio se dividia em dois: Um onde a água estava parada e imprópria para o consumo e o outro, que logo surgiu a nossa frente, continha água pura e corrente. Como já estávamos chegando ao final da tarde enchemos os nossos cantis e continuamos a descer. Não havia muito tempo para descanso. Precisávamos encontrar um local para acampar antes da noite cair.

 

 

Logo chegamos mais uma vez ao “fim do caminho”. Não havia trilha. O rio havia sumido no meio do mato. Olhávamos morro abaixo e nada de ver o vilarejo, apenas montanhas e mato, a preocupação ganhou um outro foco. Para onde estávamos indo? Onde poderíamos acampar?

 

Lá do alto vimos ao pé da montanha um descampado com grama baixa onde poderíamos montar nossas barracas e passar a noite. Diante desta realidade tomamos uma decisão nada recomendável, descer a montanha por entre a mata fechada.

 

 

Iniciamos a descida e logo descobrimos que haviam muitas pedras no chão e a mata tinha aproximadamente 1 metro e meio de altura. Neste ponto estávamos literalmente “indo audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve”. Todo cuidado era pouco pois nosso desafio estava abaixo dos pés, com todas aquelas pedras, e na altura do pescoço com galhos e folhas que muitas vezes éramos obrigados a quebrar para abrir caminho.

 

Como de costume a vista era linda. A vegetação tinha uma coloração diferenciada, parecida com aquelas que se vê em filmes de aventura infantil.

 

 

Durante a descida chegamos a um pequeno mirante que nos mostrou nossa realidade. Não havia nada que lembrasse ou levasse a um vilarejo. Só tínhamos uma opção naquele momento, continuar a descer e chegar ao ponto para acampar que vimos do alto da montanha.

 

 

Ainda descendo, nosso objetivo imediato era desbravar a montanha virgem e chegar ao descampado onde poderíamos montar nossas barracas, descansar e planejar o próximo dia. Sem dúvidas estávamos vivendo nesta travessia uma das maiores aventuras de nossas caminhadas.

 

 

Ao final daquele trecho selvagem tivemos outra surpresa nada agradável. O descampado plano e gramado que vimos lá do alto se mostrou uma área com muitos tufos de vegetação. Não havia como montar nossas barracas em um solo tão irregular. Voltamos a ter que buscar um local onde fosse possível acampar mas sem muito tempo para isto, pois estávamos no final da tarde, próximo do anoitecer. Além de tudo, nada à nossa volta sugeria que pudesse haver um vilarejo próximo do ponto onde estávamos.

 

 

No entanto, nem tudo era ruim. Encontramos novamente o rio. Como não havia trilha para seguir e o caminho a frente não era nada amigável, resolvemos continuar nossa aventura acompanhando o seu leito apesar de todo o risco que isto representava. Começamos então a descer sobre as pedras do rio, literalmente.

 

 

Mais a frente encontramos o nosso pequeno oásis. Era um prainha linda com o chão coberto de uma areia fina e branca. Havia espaço para armar as barracas, improvisar nosso fogão e água limpa para preparar o jantar. Sabíamos do alto grau de risco em acampar em beira de rio. Bastaria uma chuva na cabeceira para as águas descerem com violência e arrastar tudo ali, inclusive nós, mas ao mesmo tempo não havia outro lugar para ir. Uma outra preocupação não menos perigosa existia, novas pegadas foram encontradas na areia, desta vez muito bem marcadas. Como havia pouca água na região sobravam poucos pontos para que os animais silvestres pudessem matar sua sede. Com certeza ali era o local de algum animal de porte médio beber água. Estávamos entre a cruz e a espada.

 

 

 

 

Àquela altura da caminhada, considerando a soma de sentimentos muito diversificados, decidimos tomar um bom banho naquele belo rio digno do lugar que estávamos, e relaxar um pouco.

 

Enquanto tomávamos nosso tão merecido banho um dos integrantes do grupo iniciou o reconhecimento da região. Quando já estávamos nos preparando para montar o acampamento ele retornou com a informação de que muito próximo dali existia um local plano onde poderíamos acampar com “conforto” e segurança. Ele nos disse que no local encontrou a frente de um Jeep Willy e uma trilha de jipeiros. Em um primeiro momento não acreditamos pois parecia ser muito bom para ser verdade considerando tudo o que havíamos passado naque longo dia, mas como ele já havia encontrado a água que matou nossa sede no final do dia anterior não dava para ignorar sua afirmação. A fé em Deus se fazia valer naquele momento, pois “o Senhor é meu pastor e nada me faltará”. Que assim seja.

 

Vestimos nossas roupas, juntamos as coisas e fomos na direção apontada pelo nosso abençoado amigo. Chegando lá encontramos uma bela visão, um local plano e gramado, perfeito para passarmos a noite.

 

 

O local sem dúvidas já havia sido ocupado por gado, havia muito esterco espalhado por toda a parte, e cerca de arame ao redor do local. Encontramos a frente do jeep, como dito anteriormente, e também a metade do tronco de uma árvore que fora usado como banco.

 

Iniciamos a montagem do acampamento. Encontramos algumas pedras para servir de base para o fogão, que teve como grade a frente em ferro do Jeep Willy.

 

Foi o melhor fogão que já tivemos em todas as caminhadas anteriores.

 

 

Estávamos finalmente em segurança, em um local que parecia ter sido reservado para passarmos aquela noite. “E lá se vai mais um dia...”

 

 

Enquanto a janta estava sendo preparada por nosso mais jovem integrante, os demais montavam as barracas. Acampamento montado, janta pronta, só faltava relaxar.

 

 

Após a janta, resolvemos ficar conversando um pouco e não dormir tão cedo como no dia anterior. Em nossos rostos estava estampado o cansaço, o alívio, mas também a incerteza do dia seguinte.

 

Como se para confirmar que nada era tão perfeito quanto parecia, logo percebemos algo nos incomodando. Carrapatos. Muitos carrapatos. Sem dúvidas aquele local havia sido ocupado por bovinos. Após tirarmos os carrapatos que conseguimos encontrar em nós mesmos, contamos algumas pequenas estórias para relaxar, demos algumas risadas e finalmente deitamos para o sono tranquilo e merecido.

 

 

Eu custei a dormir, pois estava preocupado com a direção a seguir no dia que estava por vir. Lembrei do dia percorrido e identifiquei o ponto que nos tirou totalmente da direção que deveríamos seguir. Infelizmente àquela altura isto já não importava mais. Após alguma dificuldade, consegui finalmente “dormir”. Acordei várias vezes durante a noite o que me fez ter a impressão de ter apenas cochilado. Assim mesmo eu me sentia muito bem.

 

Acordamos, desmontamos o acampamento, recolhemos todo o lixo que produzimos durante nossa estada naquele “abençoado” lugar e apagamos a brasa que ainda queimava no fogão improvisado. Enquanto organizávamos tudo para nossa partida, nosso jovem cozinheiro foi a frente na trilha dos jipeiros. Logo ele retornou entusiasmado por ter visto o que seria o telhado e parte da parede de uma casa. Lembrei-me de também ter visto aquela imagem no dia anterior, porém na ocasião imaginei que se tratasse de um corte no morro considerando que a parede fosse um tipo de rocha mais clara.

 

Seguimos na direção do que parecia realmente ser uma casa.

 

 

Logo avistamos a casa. Era real!!!!

Naquele momento concluímos que não estávamos mais perdidos pois saberíamos nossa localização e qual seria a cidade mais próxima. Nossa esperança era conseguir uma carona para esta cidade mais próxima. Ao chegar à casa percebemos que ali era o pequeno vilarejo que avistamos do alto da montanha. Tratava-se de uma casa grande, com animais em um cercado e uma casa menor ao lado. Ambas fechadas e sem sinal de seus moradores.

 

 

 

 

Pudemos concluir que a trilha não era de jipeiros mas sim uma pequena estradinha usada pelos moradores daquele lugar. Continuamos a caminhar pois a frente podia-se ver uma casa com melhor estrutura e ao lado dela uma estrada de terra. Estávamos finalmente no caminho de algum “lugar”. Chegando na porteira da casa avistei um rapaz e também um utilitário. Chamei pelo rapaz que veio ao nosso encontro junto a um menino. Perguntamos a ele onde estávamos e qual a cidade mais próxima dali. Ele nos informou que se seguíssemos a estrada de terra, chegaríamos a um outro vilarejo há aproximadamente 4 Km dali onde existe uma pousada e um restaurante. Perguntei a ele se seria possível conseguirmos um carona naquele local que nos levasse até a cidade mais próxima. Ele nos orientou a procurar por um determinado morador local. Agradecemos e colocamos o pé na estrada, de terra.

 

 

 

 

Agora tínhamos um destino certo a poucos 4 Km de distância. O dia, sem dúvidas, teve um início promissor.

 

 

Seguimos pela estrada de terra e logo de cara nos deparamos com uma subida íngreme. Do alto da subida olhamos para trás de onde pudemos ver as montanhas que subimos e descemos por dois dias. Realmente uma grande aventura até ali.

 

 

Caminhamos pela estrada de terra cercada pela vegetação típica da região, subindo e descendo morro, até que surgiu um carro. Paramos o carro e confirmamos nosso destino. O motorista confirmou o que o rapaz nos havia dito com a diferença de que, na verdade, a distância a ser percorrida seria de aproximadamente 6 Km e não 4 km como informado anteriormente, e que havia uma cachoeira próxima na região.

 

 

Continuamos na estrada, debaixo de um sol escaldante, mas nada podia superar a beleza do lugar. Mais a frente na estrada de terra cruzamos com um motoqueiro que parou para conversar conosco. Era o morador indicado pelo rapaz. Perguntamos a ele se conseguiríamos uma carona no vilarejo que era o nosso destino. Ele nos informou que por ser domingo não seria nada fácil conseguir carona. Dissemos a ele que pagaríamos pela carona. Foi quando ele nos disse que tinha uma Pick Up e que poderia nos levar até a cidade mais próxima, que era Jaboticatubas. No final não havíamos saído tanto assim de nosso caminho. Apenas ficamos perdidos. Fechamos o valor da carona com o morador e continuamos a caminhar em direção a pousada enquanto ele ia realizar a atividade que o levará ali.

 

 

Seguimos em frente rumo ao vilarejo onde já chegaríamos com a certeza de ter carona para chegar até a cidade de Jaboticatubas.

 

 

Encontramos belas paisagens durante todo o percurso daquela estrada de terra, mas também pudemos comprovar que a seca na região era um problema que se alastrava. Mais córregos secos foram encontrados no caminho.

 

 

Continuamos a subir e descer os morros pelos quais a estrada de terra passava até que, do alto de um deles, pudemos avistar ao longe o outro vilarejo. Era uma visão que nos trazia um grande alívio pois certamente estávamos muito mais perto de casa.

 

 

Quase chegando ao vilarejo, a exemplo do que havíamos visto do outro lado no início da travessia, observamos um morro visivelmente desmatado. Uma agressão a natureza e um desrespeito as leis ambientais. A conclusão era a mesma: A falta de bom senso dos donos do gado, somado a falta de responsabilidade dos órgãos ambientais que deveriam fiscalizar e garantir a manutenção da região estavam contribuindo para que as nascentes secassem matando os córregos da região.

 

 

Apesar da vista desoladora que nos leva a refletir sobre como tratamos o meio ambiente, tínhamos ainda motivos para acreditar que existe como reverter esta situação. A placa na beira da estrada apontava a direção da cachoeira do Bené. Não fomos até lá pois não sabíamos qual era a distância e também desejávamos chegar o quanto antes no vilarejo.

Seguimos em frente.

 

 

Finalmente chegamos na reta final antes de chegarmos ao vilarejo e ao restaurante informado. Logo pudemos ver que se tratava de um lugarejo muito acolhedor. Sinais de civilização afinal.

 

 

Chegamos finalmente ao restaurante que também fazia parte da pousada. O lugar era realmente muita acolhedor. A primeira coisa que fizemos foi sentar em uma das mesas do restaurante, que se encontrava em uma bela varanda, e pedimos um refrigerante de 2 litros e 10 pastéis fritos. Estávamos finalmente “salvos”.

 

 

Conversando com o morador que nos levaria até a cidade e que naquele momento já havia chegado na pousada, concluímos que o lugar mais parecia um pedacinho do céu de tão bonito e acolhedor. Outros visitantes da região já haviam percebido o ambiente maravilhoso que era aquele ali, tanto que um deles ao retornar trouxe uma placa com uma pequena poesia, com a qual presenteou a pousada.

 

 

Quando estávamos prontos para ir embora daquele belo pedaço de chão, eis que a natureza nos brinda com a linda visão de um casal de tucano pousados em uma árvore próxima a pousada. Fantástico.

 

 

Entramos na Pick Up rumo a Jaboticatubas. O morador que nos deu carona sem dúvidas foi um ótimo anfitrião em sua simplicidade e boa vontade.

 

Chegando na cidade o ônibus já estava no ponto final e logo embarcamos rumo a Belo Horizonte. Assim terminou nossa aventura inesperada.

 

Ao final tínhamos duas certezas: A primeira é que esta foi uma das maiores aventuras já vividas em nossas travessias. A segunda é que a próxima será novamente de Altamira a São José da Serra, mas desta vez na trilha certa.

 

Até a próxima!